Aviso

Queridos irmaos o chat esta aberto a todos ...aqueles que sentirem necessidade pode la fazer sua prece individual...usem e fiquem a vontade pq a espritualidade presente ira acolher depende unicamente da fé de cada um.....
Muita paz e luz a todos

terça-feira, 11 de março de 2014

Caridade e amor I


Silvio Seno Chibeni

1. Introdução - Embora dicionários evidentemente não constituam fonte de informações detalhadas sobre assuntos de certa complexidade, podem por vezes ser úteis na indicação preliminar do significado de alguns termos pertinentes ao assunto. É assim que, no que diz respeito ao tema do presente artigo, podemos consultar com proveito, por exemplo, o conhecido dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, lendo, no verbete caridade:

Caridade. [...] S.f. 1. (Ética) No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efetiva do bem de outrem [...]. 2. Benevolência, complacência, compaixão

3. Beneficência, benefício, esmola. [...]

Comentaremos alguns aspectos dessas definições ao longo deste trabalho. Por enquanto, atenhamo-nos ao fato de que o primeiro sentido do termo, pertencente ao domínio da ética, é associado pelo dicionarista ao cristianismo. Caridade, na primeira e mais fundamental acepção do termo, é, pois, um conceito criado, ou pelo menos destacado, por Jesus e seus discípulos.

Sendo assim, o passo seguinte mais natural na pesquisa do tema consiste em examinar a ocorrência da palavra na Bíblia ou, mais especificamente, no Novo Testamento. Quando ainda não existiam textos digitalizados, tínhamos o costume de consultar uma obra preparada por estudiosos protestantes chamada Chave Bíblica, um útil índice de assuntos da Bíblia. Há no mercado várias edições, de diferentes níveis de detalhe. A que possuímos é uma edição da Sociedade Bíblica do Brasil. Diz-se na página de rosto que possui quase sete mil verbetes, e que se baseia na conhecida tradução de João Ferreira de Almeida.

Qual não foi nossa surpresa ao procurarmos o verbete ‘caridade' nessa obra e não o encontrarmos! Recorremos, então, a uma versão eletrônica da Bíblia que está disponível num site espírita brasileiro, na Internet. Não tínhamos, é claro, esperança de encontrar referências à caridade no Velho Testamento. No Novo, porém, haveríamos de encontrar ao menos algumas ... Mas ali também nada achamos!

Todos sabem, no entanto, que algumas versões do Novo Testamento trazem a palavra ‘caridade'. Veio-nos à mente, por exemplo, a passagem da primeira epístola de Paulo aos coríntios, cap. 13, na qual a caridade é definida em termos belíssimos. (Essa passagem foi, aliás, transcrita e comentada por Allan Kardec no cap. 15 de O Evangelho Segundo o Espiritismo; voltaremos a ela mais adiante). Consultamos então seis edições do Novo Testamento. Eis o resultado: dentre as três cujas traduções são atribuídas a João Ferreira de Almeida apenas em uma ocorre o termo ‘caridade'; nas demais, está substituído por ‘amor'. O mistério aumentou quando verificamos que duas das edições discrepantes são editadas pelo mesmo editor, Os Gideões Internacionais! Na edição de 1977 está ‘caridade'; na edição de 1979, ‘amor'. Numa edição católica está ‘caridade'. O mesmo ocorre numa antiga edição publicada em Nova Iorque, em Português, pela Sociedade Bíblica Americana, e numa edição francesa recente da Bíblia de Jerusalém.

Ora, tudo isso pode parecer estranho. Certamente indica algo pelo menos indesejável. Textos tão importantes para a Humanidade não poderiam ser objeto de tal discrepância. Note-se que ela não se deve tão-somente a dificuldades de tradução, dadas as diferenças entre textos atribuídos ao mesmo tradutor, e até do mesmo editor.

Sem querer aprofundar um assunto complexo, a discrepância em análise deriva ao menos parcialmente de uma grave divergência teológica entre protestantes e católicos. Trata-se da questão da chamada "salvação". Simplificando, os últimos tendem a considerar que a salvação se alcança pelas obras, enquanto que para os primeiros ela seria alcançada pela fé. Essa divergência remonta aos primeiros tempos do protestantismo. Ambas as partes defendem que suas posições se apóiam em passagens evangélicas.

A inspeção isenta das passagens, porém, evidencia problemas de interpretação. Isso está claro, por exemplo, nas passagens das epístolas de Paulo em que se pretende respaldar a tese da salvação pela fé. São textos bastante difíceis, obscuros mesmo. (Veja-se, por exemplo, Rom. 3: 21-31, 5:1, Ef. 2: 8 e I Tess. 5: 9.) É, sobretudo, o seu isolamento do contexto das epístolas que favorece a interpretação protestante. Ademais, não terá porventura o Apóstolo dos Gentios exemplificado amplamente a caridade em suas ações? Ele era, aliás, a antítese da fé contemplativa. Saía pelos caminhos ásperos de seu tempo enfrentando dificuldades de toda ordem para disseminar e consolidar a mensagem cristã, auxiliando a todos por todos os meios ao seu alcance. Que expressão maior da caridade do que esclarecer e educar para o bem? E no que toca ao auxílio material, não foi Paulo quem organizou a primeira campanha internacional de solidariedade, arrecadando recursos para a Casa do Caminho de Jerusalém, conforme lemos em Paulo e Estêvão, de Emmanuel?

Não dispomos nem de material nem de competência para investigar a delicada questão das traduções da Bíblia. Todavia, não podemos deixar de notar que são justamente as edições a cargo de entidades de linha protestante as que não costumam apresentar a palavra ‘caridade'. Para dirimir ou ao menos minorar as dúvidas, parece sensato empreendermos não somente estudos lingüísticos, mas também uma análise neutra da natureza geral da mensagem cristã. Um dos traços mais importantes, senão o mais importante, que distingue o cristianismo é justamente a ênfase dada por seu criador à dimensão ativa do amor, à caridade. Ele não se fechou em si, não se retirou para nenhum mosteiro ou região especial, não fundou nem favoreceu nenhum culto, nenhuma seita. Viveu em meio aos homens - instruídos e ignorantes, orgulhosos e humildes, pobres e ricos, pecadores e virtuosos -, ajudando-os incessantemente com seus ensinos e reflexões, com seus recursos curativos e mesmo com suas admoestações.

Voltando a Paulo, e assumindo que as traduções que distinguem amor de caridade são as que mais se aproximam do sentido original, podemos, em contraposição às passagens indicadas e que serviram à interpretação favorável à tese da salvação pela fé, citar outras tantas que ressaltam as obras, como por exemplo o já citado capítulo 13 da primeira carta aos coríntios; o versículo 14 do capítulo 16 dessa mesma carta; a primeira epístola aos tessalonicenses, capítulo 4, versículo 9; e diversas outras. (Voltaremos a comentar a última passagem mais adiante.)

Pedro, em sua primeira epístola (4: 8), vai mais longe, recomendando não apenas a caridade, mas, numa eloqüente expressão, a caridade ardente: "Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros; porque a caridade cobre a multidão de pecados". Notemos, incidentalmente, que nessa passagem o apóstolo acrescenta que a caridade nos redime de nossos pecados, e portanto nos salva - salva de nossa própria inferioridade ou indigência espiritual, não de nenhum perigo externo. É ela que nos possibilita reparar os danos que porventura causemos aos outros e, de um modo mais geral, à harmonia do mundo. É ela que nos propicia recursos preciosos para a nossa evolução espiritual.