Aviso

Queridos irmaos o chat esta aberto a todos ...aqueles que sentirem necessidade pode la fazer sua prece individual...usem e fiquem a vontade pq a espritualidade presente ira acolher depende unicamente da fé de cada um.....
Muita paz e luz a todos

terça-feira, 11 de março de 2014

As paixões: Uma breve análise filosófica e espírita parte I


As paixões: Uma breve análise filosófica e espírita

Silvio Seno Chibeni

Resumo:

Neste trabalho desenvolve-se um estudo das paixões da alma com base na seção intitulada "Paixões" do capítulo "Da perfeição moral" de O Livro dos Espíritos, bem como em tópicos da obra de René Descartes As Paixões da Alma.

1. Introdução

Abrindo a seção sobre as paixões de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta: [2]
907. Será intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na Natureza?
Antes de analisarmos a resposta dos Espíritos, detenhamo-nos um pouco sobre a própria questão.
O primeiro ponto a ser notado é que Kardec indaga acerca do princípio originário das paixões, e não delas próprias, ou seja, procura esclarecimento sobre a origem, a fonte de onde promanam as paixões.
A segunda observação importante é que há, na pergunta, uma afirmação categórica: esse princípio do qual provêm as paixões está na Natureza, isto é, faz parte da ordem natural das coisas.
Ora, o conceito ordinário de paixão, adotado pelo homem comum, traz consigo uma conotação negativa evidente: associa-se paixão a desequilíbrio, tumulto emocional ou desvios patológicos do sentimento, sendo mesmo freqüente ouvir-se frases como 'Isto não é amor, é paixão', ou 'Fulano está cego de paixão'.
A questão proposta por Kardec motiva-se exatamente pelo conflito entre essa acepção vulgar do termo 'paixão' e a análise filosófica das paixões (de que trataremos na seção seguinte), que indica serem elas provenientes de causas naturais. Considerando que tudo aquilo que pertence à ordem natural obedece a uma sabedoria e a uma bondade supremas, tendo, em outras palavras, sido instituído por Deus, como poderia essa fonte sábia e boa levar, em última instância, a sentimentos intrinsecamente maus?
Vejamos o que respondem os Espíritos:
"Não, a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal."
A resposta corrobora, portanto, aquilo que está implícito na afirmação de Kardec: o princípio originário das paixões é bom, tendo sido "posto no homem para o bem". O mal que vulgarmente se associa às paixões é o resultado de uma distorção do sentimento original. Do contexto é justo depreender que essa distorção corre por conta do livre arbítrio humano na condução de seus sentimentos, não podendo ser imputada à fonte natural e neutra de onde provêm.
Na questão seguinte, de número 908, Kardec indaga como se pode "determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más", obtendo esta resposta:
"As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso desde que passe a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos, ou para outrem."
Vemos, pois, que o limite natural das paixões se estabelece com base em dois critérios: 1) a capacidade de seu controle; e, 2) os males que possam causar a terceiros ou àquele próprio que as vivencia.

2. A natureza das paixões

Inegavelmente, dada a ordinária carga negativa associada ao conceito de paixão, a afirmativa de Kardec e dos Espíritos de que a fonte original das paixões é boa tende a causar estranheza na maioria das pessoas. Por tal motivo julgamos importante fazer uma incursão, ainda que breve e simplificada, nos domínios da filosofia, que tem as paixões como um de seus temas mais discutidos. Os fundamentos dessa afirmativa serão, desse modo, elucidados.
Como ocorre com boa parte dos vocábulos das línguas naturais, a palavra 'paixão' comporta diversos significados. Na acepção popular em nossos dias, ela designa certos sentimentos fortes, exacerbados, tumultuados, que em geral se associam à afeição votada a pessoas e mesmo a coisas e atividades: 'Matou-se por paixão', 'É apaixonado por carros', 'Tem paixão pelo futebol'.
Do ponto de vista filosófico, porém, o termo 'paixão' possui significados mais amplos e neutros quanto ao bem e ao mal. Em seu significado etimológico, paixão se contrapõe a ação. Isso fica mais claro nas línguas inglesa e francesa, em que esses vocábulos, passion e action, estão mais próximos de sua origem latina. Ação atuar, agir; paixão sofrer a ação, recebê-la passivamente.
Nesse sentido básico, e hoje em dia em desuso, poder-se-ia dizer que ação e paixão são como as faces de uma mesma moeda. Sempre que algo age, alguma outra coisa sofre paixão. Eu bato na mesa ação; a mesa recebe a pancada paixão. O mesmo fenômeno que para mim é ação, para a mesa é paixão.
Aqui estamos interessados não em coisas em geral, mas no ser humano, que pode, ele também, agir e sofrer paixão. Nesse caso, porém, o conceito de paixão se tornará mais específico, como veremos.
Na visão de homem estabelecida pelo Espiritismo, ele é um ser dual, composto de corpo (matéria) e alma (espírito). Embora remonte à Antigüidade, essa visão dualista tornou-se proeminente na filosofia a partir da contribuição de René Descartes (1596-1650). Um dos maiores filósofos e cientistas de todos os tempos, Descartes foi o principal responsável pela inauguração da filosofia moderna, renovando amplamente as teorias e conceitos filosóficos anteriores. Esteve ainda entre os criadores da ciência moderna, ao lado de Galileo e Newton, Boyle e Huygens, entre outros.
Em sua doutrina, o sábio francês dissociou da alma a função de mantenedora da vida orgânica, tomando-a unicamente como o ser pensante, independente da matéria. Uma análise cuidadosa revela muitos pontos comuns entre as visões espírita e cartesiana do homem. Não podemos adentrar esse vasto e difícil assunto neste pequeno texto. Iremos apenas destacar alguns elementos mais diretamente ligados à questão das paixões. O último livro de Descartes publicado durante sua vida trata especificamente das paixões, intitulando-se justamente As Paixões da Alma (Les Passions de l'Âme, 1649). Essa obra exerceu grande influência no futuro das discussões filosóficas acerca das paixões, só sendo rivalizado, no século seguinte, pelas obras do grande filósofo escocês David Hume (1711-1776), escritas dentro de perspectiva filosófica bastante diversa.
Dadas as grandes transformações por que passou a física em nosso século, não é possível expressar em linguagem ordinária como a ciência contemporânea caracteriza a matéria. Na concepção cartesiana, que prevaleceu e influenciou profundamente toda a ciência por quase trezentos anos, matéria é a substância extensa, com forma e movimento, que preenche todo o universo e atua exclusivamente por forças mecânicas de contato. No nível dos objetos com que lidamos enquanto homens comuns, podemos pensar na matéria aproximadamente ao longo dessas linhas, mas apenas para fixar idéias, conscientes de que essas noções não mais bastam às novas teorias físicas.
Quanto ao espírito, para Descartes ele era, como já indicamos, a substância pensante, a sede do pensamento, da vontade e dos sentimentos. Ao contrário de sua concepção de matéria, essa idéia de espírito mostra-se perfeitamente adaptável ao que conhecemos hoje, não mais pelas ciências acadêmicas, que por sua natureza não se ocupam com isso, mas pela ciência espírita, inaugurada por Allan Kardec.[3]
Podemos, para os nossos propósitos aqui, considerar a alma ou espírito como tendo três "faculdades" (termo de Descartes):
  1. vontade;
  2. pensamento;
  3. percepção.
A vontade se exerce quando a alma quer algo; o pensamento, quando ela raciocina, duvida, compara, abstrai etc. Pensamento e vontade assim definidos são, por assim dizer, as "dimensões" ativas da alma. A percepção seria, por outro lado, sua dimensão passiva. Isso fica mais claro quando enumeramos as formas gerais dessa percepção:
  1. sensações dos corpos (formas, solidez, cores, sons etc.);
  2. percepções das operações da própria alma (percepção de que está raciocinando, duvidando, querendo, imaginando, sentindo etc.); e
  3. sentimentos (amor, ódio, tristeza, alegria etc.)
Em um sentido filosófico um pouco mais específico do que aquele já apontado, ligado à etimologia do termo 'paixão', todos esses três tipos de percepção poderiam ser ditos (e o são por Descartes) paixões da alma, porque ao contrário dos atos volitivos e intelectuais, acontecem passivamente à alma quando ela se encontra em determinadas situações. Quando o corpo a que está associada tem seus sentidos despertos e em bom funcionamento, postos em contato com uma vela acesa, por exemplo, a alma sentirá, quer queira, quer não, uma certa forma, uma certa luz, uma certo calor (sensações). Quando a alma se auto-examina, ou, em linguagem filosófica, reflete, introspecta, não pode deixar de perceber que está raciocinando, ou duvidando, ou querendo algo, se de fato estiver (percepções das operações da alma). Por fim, diante de um gesto amigo ou de um carinho, sentirá a alma o amor; diante de uma ofensa, poderá sentir ódio ou mágoa; recebendo uma boa notícia, perceberá sua alegria, e assim por diante (sentimentos).
Chegamos, finalmente, ao ponto pretendido. Em seu sentido filosófico mais estrito a palavra 'paixão' denota exatamente esta última modalidade de percepções da alma: sentimentos como o amor e o ódio, a alegria e a tristeza, a admiração e o desejo.
Descartes considerava que as seis paixões que acabamos de enumerar eram básicas, enquanto que as demais, tais como o orgulho e a humildade, a veneração e o desdém, a esperança e o desespero, o medo e a coragem, a vergonha e a cólera, o remorso e a piedade seriam derivadas das paixões fundamentais por combinações e variações.
Não haveria espaço para explicar ou reproduzir aqui a complexa teoria cartesiana das paixões. Tampouco nos deteremos sobre a interessante análise que faz de cada paixão em particular, análise que ocupa boa parte do livro As Paixões da Alma. Ressaltaremos, entretanto, alguns pontos que podem contribuir para a nossa compreensão da natureza desses sentimentos.
No referido livro, assim como em outras obras, Descartes elabora detalhada teoria fisiológica que, embora hoje em dia possa parecer tosca e quimérica em muitos aspectos, representou um trabalho pioneiro, exercendo significativa influência no posterior desenvolvimento da ciência biológica.
A teoria cartesiana descrevia o corpo humano, como aliás todo universo material, em termos de um conjunto incrivelmente complexo de corpúsculos que agem sob leis mecânicas, leis que o próprio Descartes havia deduzido de pressupostos racionalistas na obra Os Princípios da Filosofia, de 1644. Ele foi um dos primeiros cientistas a reconhecer a teoria da circulação do sangue, proposta por William Harvey no início do século XVII. Descartes mantinha (de forma não totalmente original) que no sangue havia certos corpúsculos materiais extremamente pequenos e móveis, chamados espíritos animais. Não obstante o nome, não se tratava de modo algum de espíritos no sentido de seres inteligentes, mas de matéria pura e simples. Essas partículas diminutas eram como que "filtradas" nos "poros" do cérebro, passando a percorrer os nervos. O fluxo dos espíritos animais no sistema nervoso é a chave para explicar, na teoria cartesiana, fenômenos fisiológicos e psico-fisiológicos fundamentais, como o funcionamento dos sentidos, as motricidades voluntária e involuntária, e as próprias paixões da alma. Embora as paixões sejam percepções da alma, tinham, segundo essa teoria, uma contraparte fisiológica essencial. Infelizmente não poderemos fornecer detalhes aqui.
Abrimos um parêntese para mencionar um aspecto da teoria psico-fisiológica de Descartes que chama a atenção de pesquisadores espíritas: o papel central atribuído à glândula pineal, ou epífise, situada na base do cérebro. Até bem recentemente, a ciência acadêmica considerava que essa glândula não exercia nenhuma função relevante no homem adulto, julgando, pois, errônea a teoria de Descartes. No entanto, descobertas recentes vêm levando uma revisão dessa posição; a pineal parece ter determinante influência no controle de outras glândulas importantes, e portanto em toda a economia orgânica. Décadas antes que se começasse a perceber isso nos círculos oficiais, o cientista espírita desencarnado André Luiz recuperou e desenvolveu os elementos aproveitáveis da teoria cartesiana. Ambos, Descartes e André Luiz, atribuem à pineal o papel mais importante na ligação alma-corpo; seria, nas palavras do primeiro deles, como que a "principal sede da alma", o lugar do mundo orgânico onde a alma "exerce imediatamente suas funções" (As Paixões da Alma, § 32).
Voltando à análise do conceito restrito de paixão, enfatizemos que ele preserva o elemento essencial da noção abrangente: a passividade. Amor, ódio, alegria, tristeza e demais paixões são algo que "se apodera" de nós de forma involuntária: pelo menos na sua gênese imediata não temos nenhuma participação voluntária. Embora Descartes não se tenha servido desta expressão, poderíamos dizer, simplificadamente, que para ele as paixões eram o resultado de uma espécie de automatismo psico-fisiológico. Na esfera fisiológica, esse automatismo envolvia, de forma essencial, o fluxo dos espíritos animais e sua interação com a pineal; na mente, manifestava-se como as percepções de amor, ódio etc., que cada homem sabe o que são por experiência direta.
Desnecessário notar que a ciência contemporânea não mais utiliza a noção de espíritos animais. No entanto, temos aqui mais um caso típico da história da ciência em que, embora rejeitados pela evolução da ciência, conceitos e teorias do passado aparecem ainda, embora bastante modificados, refinados e complementados, nas teorias mais recentes. A idéia geral de que algo percorre os nervos, trazendo as informações sensoriais para o encéfalo e conduzindo para os órgãos motores os impulsos nele originados mostrou-se fecunda e sustentável, estando presente na teorias científicas contemporâneas, que descrevem esse algo em termos de correntes elétricas.
Também a associação das paixões a um certo automatismo pode ser mantida até hoje. Estendendo de maneira profunda e segura a investigação do ser humano, o Espiritismo modificou e complementou a descrição desse automatismo, que deixa de estar centrado na estrutura fisiológica, residindo antes no próprio espírito, em sua existência que antecede e sucede à do corpo denso, com possíveis influências também do seu envoltório perispiritual. Assim é que se constata por observação direta que os Espíritos desencarnados continuam tendo sentimentos aparentemente semelhantes às nossas paixões. Isso indica que a causa imediata das paixões não se pode reduzir a processos referentes ao corpo denso, como achava Descartes. O fato de que diante de determinados estímulos externos ou internos a alma é automaticamente objeto daqueles sentimentos que chamamos paixões deve-se a uma faculdade inerente à própria alma, que tem uma razão de ser providencial, conforme vimos na introdução deste trabalho. (Retomaremos esse tópico mais adiante.)
Detenhamo-nos agora sobre as causas mediatas ou primeiras das paixões. Estas eram por Descartes classificadas em três grupos (As Paixões da Alma, § 51):
  1. os objetos dos sentidos: alguém escuta uma boa notícia e sente alegria; vê uma criança sendo maltratada e sente indignação ou cólera; cheira fumaça e sente medo de incêndio;
  2. as ações da alma: alguém pensa em suas qualidades e sente orgulho ou humildade; duvida da sinceridade de um amigo e sente tristeza; imagina os efeitos de uma tragédia e sente pena dos envolvidos;
  3. o "temperamento do corpo" e as "impressões que se encontram fortuitamente no cérebro". São desse tipo, por exemplo, as paixões que temos "quando nos sentimos tristes ou alegres sem que possamos dizer o motivo".
Este último item enseja aos pesquisadores espíritas outra oportunidade de complementar o que afirmou Descartes. Pelas investigações científicas dos fenômenos espíritas, conhecemos inúmeros fatos e leis da realidade espiritual que o filósofo aparentemente ignorava. É indubitável que alterações diversas do corpo, especialmente do sistema nervoso, podem de fato fazer surgir sentimentos ou paixões na alma. No entanto, sabemos que em muitas ocasiões em que não encontramos sua causa última naquilo que explicitamente observamos, quer no mundo exterior e em nossos corpos, quer em nossa alma, podem dever-se a fatores espirituais, tais como as vivências no mundo espiritual durante o sono, as influências obsessivas e telepáticas de um modo geral, ou a emersão parcial de nosso pretérito remoto.